sexta-feira, 29 de junho de 2007

PALAVRAS NUNCA ESCRITAS

Na casa do pó bebi a tua sede, no arremesso das palavras bravas onde a partilha se fechou na contrariedade ao lado das avelaneiras floridas, por gestos que o amor não diz, mas que fixa no interior. A música do meu ser concebe um outro rumo, entre as colinas do desamor… a uma maior exigência de silêncio. Neste silêncio tomo a minha perdição poisado na cinza da paciência, às farpas que o horizonte rasga. Sentado, aqui, neste espaço da biblioteca, desnuda-se a minha alma, e nas searas do meu pensamento desmonto as imagens surpreendentes… envolvo-me nos rumores, ainda que tomado pela mágoa e pelo desalento, abro o escuro dos reinos do silêncio… apenas as neblinas envolvem a cidade e a memória que sustento deixa de existir, apenas ritmos, sintaxes de vento que fervem, consumindo o meu retrato! Nesta aspereza de vocábulos reflecte-se no meu olhar a tua profundidade seguida de um sorriso memorial… foi esse fulgor de morfina fria que tudo alterou, elevou a catedral da minha memória esboçando a pintura da eternidade.Uma esfera quase imperceptível toma a rotação da minha insónia, este minucioso hábito que cristaliza a chama do candeeiro, onde leio as tuas palavras, cada uma mais brilhante do que a outra. Ainda sinto o ofuscar da palavra, os reagentes que queimam o sistema, este formato que se auto-executa sempre que o pensamento chega até ti. O primeiro sol anuncia-me um outro espírito, dissolve-me no rumor do posfácio entre os equilíbrios e os perigos evidentes! Fizeste-me pensar de modo diferente, pelas tuas vibrações, levaste-me por campos lilases e ergueste no meu peito um novo sótão. Guardo-te no incêndio do sentimento, entre arbustos pintados, ao segredo de uma pirâmide que se constrói, como se nada mais existisse além dos olhos do gigante. Sobe algo ilegível às palavras nunca escritas, algumas excedem a solidão desfeita, são maternas e oxidam o olhar negro.Cidades mortas bebem a miséria dos teus braços, num rio sem lágrimas, enquanto a verdade veste a missa branca, alargando o fundo do mar com os sussurros espelhados. Nos flancos da memória concebo o crepúsculo das metades, numa vírgula sonâmbula, soletrada por sorrisos maníacos a um túnel de angústia! Este é o trânsito mortal da entrega da razão absurda de ser, aventura lancinante, a um sabor oculto, dividido entre os búzios do mar e a espessura da noite. A tua existência funde os meus pulsos e todo o meu sangue torna-se em página ao vento, a página que vai sendo escrita dia-a-dia, por palavras gloriosas de uma íntima distância.
14.11.2006 – 11:35h

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